terça-feira, 6 de março de 2007

As senhoras do povo de Chapéu de Aba...


“De copa pequeníssima e aba larga, com fita de côr, posto sobre um lenço(Pico); de palha (Faial); na ilha de São Jorge «não há mulheres do campo. São tudo senhoras: tudo usa chapéu...as criadas usam chapéu.»

(De uma carta particular, escrita das Velas)”

in O trajo nos Açores, de João Afonso.

Mulher de Chapéu de Aba Larga. Mulher do povo para quem o seu chapéu, de palha, era mais do que um acessório. Era a peça de vestuário, útil, que a protegia dos caprichos do estado do tempo enquanto, curvada, trabalhava a terra ou fazia os seus afazeres fora de casa.
Como por altura da colheita das folhas de chá, na costa norte de São Miguel, em que as fitas coloridas alegravam o verde ondulado das plantações pela encosta. Era a força do trabalho das mãos dessas mulheres, duro, que colhia as folhas aromáticas que, depois, seguiam para a Fábrica da Gorreana.
Protegiam-nas esses chapeús de aba larga das agruras do sol mas nem sempre conseguiam esconder as marcas nos rostos de mulher do campo, das agruras da vida.
Também elas, tal como as senhoras das cidades, filhas e esposas da aristocracia ou da alta burguesia, gostavam de usar os seus chapéus em dias de festa ou domingueiros. Estes últimos de “ver a Deus”. Quando ‘vinham’ à cidade. A pé, muitas das vezes. Mas os adornos colocados continuavam a ser uma fita, cozida pelas suas próprias mãos e quando muito, uma flor natural roubada à terra que tratavam por tu, como ninguém. Não eram chapéus forrados a seda, nem arranjos de flores artificiais, mandadas fazer às costureiras imitando os das revistas de moda que chegavam de Londres e Paris por barco.
Enquanto aos rostos das senhoras de vestido comprido ficava bem a palidez facial, às senhoras do povo nem os chapéus de aba larga conseguiam impedir de todo a tez morena de quem anda ao ar livre. Hoje, um tom tão cultivado...
O requinte da elegância das senhoras das famílias abastadas está retratado, por exemplo, nos painéis sobre a visita régia dos reis D. Carlos e Dona Ana, em 1901, assinados por Condeixa e expostos no Palácio de Sant’Ana.
De resto, e a título de curiosidade, conforme o autor João Afonso, a publicação “Álbum Açoriano”, impresso em Lisboa, a propósito da visita real às ilhas terá sido o primeiro repositório gráfico conjunto dos trajos de várias partes do arquipélago. Sinónimos de vida, no geral sóbria e inalterada por séculos de isolamento.
E ao contrário das senhoras fidalgas, as senhoras do povo, além do seu chapéu de aba larga, vestiam-se do que a terra lhe dava e graças aos saberes transmitidos de mães para filhas. Saberes ancestrais que lhes permitia m fazer. Para si, para o marido e para os muitos filhos que tinha a cargo. Desde o cultivo à colheita do linho, passando pelo tear até à costura. Gaspar Frutuoso referia-se às “lãs e pano feito da terra, no elenco terminológico de “Saudades”.Tudo estava a seu cargo. Tudo se fazia pelas próprias mãos. Desde o pão à roupa.
Tudo estava a seu cargo na lida da casa e sem descuidar a ajuda no sustento. Sem queixumes. Era assim, porque... sempre tinha sido assim!
Alguma alegria e orgulho, suspeitamos, poderiam retirar dos seus bordados de flores azuis nas camisas de linho para si os seus “homens”, na arte de bem saber fazer tintas para tingir a lã ou na mestria com que manejavam o tear de onde saiam os tecidos com padrões mais coloridos que o usual para fazer as saias que dançavam a chamarrita em dia de festa...
Mas é uma suspeita.
Em comum, senhoras fidalgas e senhoras da terra, no uso do chapéu de aba larga, tinham o facto de serem mulheres. E, fosse qual fosse a classe a que pertenciam, o gosto de se sentirem mais alegres, mais bonitas, especiais numa, alguma, altura.
Em comum, quando ambas as ‘senhoras’ usavam os seus chapéus de aba larga, a sujeição a normas rígidas de conduta. Para umas, o chapéu era símbolo de respeitabilidade imposta pela etiqueta social, para outras - como já se disse - mais do que um adorno , uma peça extensiva da sua (sobre)vivência.
Debaixo da sombra das abas, as senhoras, independentemente do porte (altivo ou curvado pela posição nas colheitas, pelo transporte de “panas” de roupa familiar para lavar ou cabaças com água da fonte...), qual delas era feliz? Alguma(s)? Todas?
Será que as senhoras do povo pensavam nisso, sequer? Tinham tempo, quando zurziam a roupa em conjunto ou fiavam na hora das rezas?
O que pensariam as senhoras abastadas quando passeavam os seus chapeús de aba larga? Que sentimentos esconderiam? Teriam elas mais tempo para pensar, mas mais não nos resta do que supor..., porque mesmo sabendo ler (embora nem tudo podendo ler), não escreviam.
Para que hoje as pudessemos conhecer. Não pelos trajes, pelos hábitos (e ambos estão intimamente ligados), mas pelos seus pensamentos, emoções e sentimentos...
As senhoras do povo não sabiam ler. Por isso, não sentiriam, quiça, falta do que nunca poderiam ler.
Apenas pudemos supor. Delas, sabemos que eram mulheres (es)forçadas e carregavam às costas fardos de uma vida em que a razão de tudo era a família e o tecto onde pernoitavam ou tomavam as refeições junto ao forno de lenha. Não tinham salões de chá. Pudemos supor, apenas ,que lhes seria agradável o convívio nas tarefas rurais e domésticas colectivas.
De alguma forma, as senhoras do povo terão sabido com a sapiência que o dia a dia trás, retirar de todos os momentos das (muitas)obrigações, pequenas oportunidades de cumplicidades com a vizinha, com a comunidade. Ou seria conformismo imposto? Talvez. Talvez...
DIFERENÇAS ENTRE GÉNERO – DEPENDÊNCIA- E ENTRE GÉNERO
Exemplo: o luto
Orgulho nessas mulheres anónimas


Olímpia Granada

Sem comentários: