segunda-feira, 12 de março de 2007

A mulher de fato clássico



De calça e casaco ou saia e casaco, de tecido e cores variadas, com mais ou menos acessórios - onde muitas das vezes se inclui um sapato de salto alto a dar aquele toque especial (feminino e sensual), a mulher de fato clássico corresponde ao arquétipo de mulher moderna, segura de si e profissionalmente activa. Seguindo o raciocínio encare-se o vestuário, e numa perspectiva sociológica, como um instrumento distintivo de identidade e diferenciação social, onde este funciona como uma verdadeira linguagem transmitindo formas de pensar, sentir e estar de um determinado grupo ou classe . Na prática o uso do fato clássico pela mulher, tal como o entendemos - uma espécie de “uniforme” feminino dos tempos modernos - acaba por sinalizar o seu estatuto, a sua função social, mas também a sua função económica. Trata-se no fundo de uma técnica de incorporação, usada para integração simbólica na sociedade, de forma a transmitir uma imagem de credibilidade, competência e sucesso. Numa palavra: Profissionalismo. Usado maioritariamente por mulheres que conseguiram penetrar em determinados nichos de mercado de trabalho, outrora tradicionalmente masculinos, falamos de cargos de chefia, ao nível político, económico e social, a aproximação ao fato clássico, poderá ter começado, quiçá, e ainda que inconscientemente, por ser uma tentativa por parte das mulheres em eliminar ou atenuar as diferenças inter-sexos, “criando alguma ambiguidade na percepção social” ( a expressão é de Agostinho Ribeiro em “ O corpo que somos – aparência, sensualidade e comunicação”). A intersexualização, neste caso a masculinização do vestuário feminino, reflecte a adesão a um modelo que engloba determinado grupo social, integrado nas classes média-alta, e, fundamentalmente, um género de trabalho que varia entre o administrativo e o executivo. A mulher de fato clássico acaba por constituir um reflexo da vida urbana e dos tempos modernos, onde cada vez se dá mais importância à aparência e à imagem.
Contudo, o aparente sucesso, por detrás da mulher de fato clássico açoriana, a milhas de distância das suas antepassadas, cujo projecto/objectivo de vida se circunscrevia à vida familiar, não deixa de ser uma ilusão. Ou melhor, representa uma gota de água num imenso oceano. Embora muita coisa tenha mudado e a lista de conquistas femininas seja já considerável, persistem muitas questões por resolver. A igualdade de oportunidades entre homens e mulheres no mercado de trabalho continua a ser um sonho ainda muito distante. Dizem-nos as estatísticas que, não obstante uma maior formação académica por parte do sexo feminino, e a feminização do ensino superior é uma realidade incontornável, os salários das mulheres que ocupam cargos administrativos são regra geral mais baixos do que os do homem e a progressão na carreira não se faz ao mesmo ritmo. Também as tarefas domésticas e as responsabilidades familiares continuam áreas quase exclusivamente femininas. A realidade é esta: apesar de todos os avanços há, de facto, ainda um longo caminho a percorrer. Eliminar as desigualdades que persistem é um desafio que nos toca a tod@s.


Laurinda Sousa


in Diàrio dos Açores, 10 de Março de 2007

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